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Depoimentos: A influência dos EUA no Golpe de 64

Amanhã é um dia de lamentação, dia em que a jovem democracia brasileira foi golpeada. E não se enganem, como a direita deseja, não foi um contra-golpe. Pretendo nesse post resgatar um pouco da história do Golpe.

Andei lendo o livro “A Esquerda e o Golpe de 64”, de Dênis de Moraes e resolvi retirar trechos de entrevistas que o autor realizou com membros importantes da esquerda dos anos 60, que estavam diretamente ligados à toda convulsão social da época. Estes trechos falam sobre a influência dos EUA na conspiração do golpe militar.

Obs.: As entrevistas foram realizadas nos anos 80

São os entrevistados que comentam sobre os EUA: Brigadeiro Francisco Teixeira, Raul Ryff, Darcy Ribeiro e Leonel Brizola.

Brigadeiro Francisco Teixeira

Pergunta: O golpe o surpreendeu militarmente?

Brigadeiro Teixeira – Não, O golpe em si, naquele dado momento, surpreendeu, embora se soubesse que havia uma grande conspiração na área contrária ao governo, inclusive na área militar. Isso apesar de sentirmos que as posições políticas do governo vinham sofrendo perda de posição.

Apesar do desgaste que vinha sofrendo o governo, se o Presidente Goulart decidisse resistir, contra-atacar – e ele dispunha de tropas aqui no Rio para ocupar o Palácio Guanabara, onde estava o Lacerda conspirando -, talvez tivesse ganho aquela parada. Ou, pelo menos, estabelecido uma luta mais prolongada. Mas ele resolveu não resistir.

A meu ver, foi uma decisão até acertada, porque evitou derramamento de sangue. Hoje, depois dessas informações liberadas pelos americanos, a gente vê o envolvimento que tinha o governo americano no golpe militar que estava se processando no Brasil.

Raul Ryff

Pergunta: Faltou um sistema de informações mais seguro para impedir a marcha do golpe?

Ryff – Não. Nós sabíamos que o golpe estava em marcha, não havia dúvida. O Renato Archer me contou uma vez que Osório de Almeida, Encarregado de Negócios da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, trouxe documentos circunstanciados sobre a conspiração, mostrou-os ao Jango e ele não se surpreendeu, pois estava informado sobre isso.

Pergunta: O que o Presidente poderia ter feito para conter a escalada golpista?

Ryff: Do ponto de vista militar, era muito difícil. A questão passou de um problema nacional para a escala internacional, com interesses imediatos dos EUA.

Darcy Ribeiro

Pergunta: O senhor costuma dizer que há coisas que não foram feitas em 64 e que deveriam ter sido feitas. Quais por exemplo?

Darcy – É difícil dar um exemplo assim. Seriam múltiplos exemplos. O Presidente João Goulart decidiu tomar uma atitude de tentar conquistar, por meios persuasórios, as transformações capitais. Conseguiu, o que parecia impossível, que o Congresso Nacional votasse a lei de remessa de lucros. Foi essa lei que provocou a intervenção norte-americana. Ou seja: creio que as reformas que nós estávamos fazendo teriam sido executadas se não fosse a intervenção norte-americana.

De fato, não foram forças nativas, locais, que desestabilizaram e derrubaram o governo. Foi um complô internacional, conduzido aqui dentro com enorme eficácia. Um complô cujos personagens ainda estão aí – o General Vernon Walters de vez enquando vem aí. O partido norte-americano que tem aqui dentro é muito ativo e poderoso.

Pergunta: Era difícil a articulação com o movimento progressista em torno das reformas?

Darcy – Em junho de 64, Salvador Allende nos visitou no Uruguai. Era Senador no Chile. Eu me lembro de que cheguei a um encontro dele com o Jango com um jornal aqui do Rio – se não me engano, o Correio da Manhã –  e mostrei uma declaração do Embaixador americano, dizendo que o golpe no Brasil – que ele chamava de revolução – era mais importante do que a crise do muro de Berlim e do que a crise de Cuba em 1962. O Jango comentou: “Ele é um imbecil”. O Allende disse ao Jango: “Não, talvez ele tenha razão. Depois de sua queda, é que eu caí em mim. Com o seu governo lá nós podíamos libertar a América Latina. Sem o seu governo é muito mais difícil.”

Pergunta: O esquema militar não funcionava?

Darcy – O dispositivo militar seria bom para fazer o que Jango pretendia: tentar a coisa poersuasória, mas não ousar. A direita entrou com a disposição de fazer uma guerra civil, de fazer um Vietnam no Brasil. Ora, os Estados Unidos mandavam uma frota que iria desembarcar em Vitória e invadir o país em 400, 500 quilômetros, até Belo Horizonte, para levar mantimentos, armas e combustível. Os norte-americanos aceitaram o Vietnam aqui, tal era a gravidade que atribuíam a uma política brasileira de controle do capital estrangeiro. A direita aceitou a guerra ivil; se o governo tivesse aceito também, a coisa seria diferente. Agora, é evidente que o esquema de Jango fracassou.

Pergunta: Se o senhor pudesse entrar no túnel do tempo, o que não faria na crise de 64:

Darcy – A primeira coisa é que eu não tinha a noção clara de que eu estava jogando com a hegemonia americana no mundo. Eu não fazia ideia de que a América do norte fosse tão importante. para mim, nós estavamos tratando de uma questão nacional, interna, indispensável para o povo brasileiro progredir.

Eu só vi o golpe em marcha até o ponto em que o Jango me disse, por informação dada pelo San Tiago Dantas, de que havia uma frota americana se aproximando da Baía de Guanabara, que entraria aqui se o Lacerda fosse atacado. O sinal para entrar era esse. E eu disse: “É mentira, não tem frota”. Não tinha aqui, mas tinha em Vitória! Eu não imaginava que aquilo que estávamos fazendo fosse tão importante. E de fato era. No momento em que o Brasil se tornar autônomo, realizar suas potencialidades, com um projeto próprio, A América Latina toda se libertará da dominação norte-americana.

 

Leonel Brizola

Pergunta: Sobre a conspiração contra Jango, já no período presidencialista:

Brizola – O golpismo passou a agir abertamente. A conspiração se generalizou, procurando criar um clima que tornasse o país ingovernável pelo Presidente Goulart. Isso se refletiu, inclusive, em áreas que estavam unidas em torno do governo. Surgiram divergências sobre como nos conduzir naquele quadro. Havia interferências claras de forças internacionais, especialmente da Embaixada americana, subsidiando áreas de contestação ao governo. Enfim, era a montagem de todo um processo de desestabilização, atendendo a interesses internacionais, sob a coordenação de  um organismo que existia no Rio de Janeiro, o IPES. Funcionava muito discretamente para se fazer passar pelo que jamais foi: um instituto de estudos econômicos e sociais. No fundo, era um centro de articulação do golpe, visando à implantação de um regime especial no Brasil.